Generalidades sobre Células a Combustível

Generalidades sobre Células a Combustível

Definição

Células a combustível são dispositivos que convertem energia química em energia elétrica e térmica. São alimentadas com hidrogênio, que pode ser obtido do gás natural, do etanol, da gasolina, do metanol, entre outros. Por produzirem energia através de uma reação eletroquímica ao invés da combustão, as emissões de efluentes atmosféricos são mínimas e pouco agressivas ao meio ambiente. Tendo em vista que o processo apresenta maior rendimento energético, a relação energia gerada / emissão de CO2 é menor que nos processos convencionais de geração elétrica que utilizam equipamentos de combustão. A célula a combustível funciona de forma diferente das baterias tradicionais por não armazenar eletricidade, não precisando de recarga desde que o energético seja continuamente fornecido.

Histórico

Conforme Caíres (1996), a idéia de células a combustível vem de longa data, sendo que um gerador desse tipo foi concebido em 1801, na Inglaterra. Nessa ocasião, foi construída, para gerar eletricidade, uma célula (pilha) de zinco e oxigênio que gera zincato de sódio. Somente no século XX foram dados alguns passos significativos no estudo e desenvolvimento dessas células. Em 1839, William Grove observou que, quando o hidrogênio e o oxigênio eram fornecidos separadamente a dois eletrodos de platina imersos em solução de ácido sulfúrico, uma corrente elétrica era produzida em um circuito externo conectado aos eletrodos.

Siegl, cientista inglês, foi o primeiro a produzir eletrodos com platina dispersa sobre partículas de carbono, e com essa experiência surgiram os eletrodos de difusão de gás, que são utilizados até hoje no desenvolvimento das células a combustível.

Eletrólitos fundidos foram utilizados pela primeira vez nesses dispositivos no século XIX. Estudiosos tiveram a idéia de substituir motores térmicos por células eletroquímicas, nas quais se oxidaria o carbono a CO2 e se reduziria a oxigênio.

Conforme Caíres (1996), no início do século passado, registrou-se uma patente para a construção de uma célula com eletrólito sólido. Em conseqüência do grande sucesso dos geradores eletromecânicos, diminuíram os investimentos em pesquisas relativas a células de combustível, até a Segunda Guerra Mundial, quando se procurou desenvolver fontes de energia pra a tecnologia de satélites.

Davtyan, pesquisador inglês, publicou artigos sobre células de eletrólito sólido para alta temperatura, descrevendo pesquisas em que foi utilizado carbonato fundido e células de eletrólito alcalino de alta e baixa temperaturas.

Como descreve Filipini (2002), os estudos sobre células a combustível continuaram, porém, em nível científico, com contribuições de Nernst, Haber, Bauer e outros. Enquanto a maioria dos trabalhos consideravam a utilização do carvão como combustível, Bauer, em 1933, propôs a utilização do gás hidrogênio e gás oxigênio em uma célula que opera em meio alcalino. Nessa época, Francis T. Bacon, engenheiro inglês, interessou-se pelo assunto e resolveu executar um projeto que levasse as células a combustível a alguma utilização prática. Seu trabalho começou a obter sucesso na década de 50, com o desenvolvimento dos eletrodos porosos de níquel, que proporcionavam bom rendimento às células alcalinas de alta pressão.

Conforme Caíres (1996), Kordesch e Marko, nessa época, desenvolveram na Universidade de Viena, Áustria, estudos semelhantes com eletrodos porosos de carbono e confirmaram a previsão de Bauer, viabilizando a operação de células alcalinas de baixa temperatura e pressão. Enquanto isso, na Holanda, G. H. Broens, baseando-se no trabalho do russo O. K. Davtyan lançou as bases pra o desenvolvimento de células de alta temperatura, usando carbonatos fundidos como eletrólito.

As décadas de 50 e 60 foram aquelas em que se observaram melhores condições para o desenvolvimento de novas tecnologias, à vista dos programas espaciais dos países desenvolvidos. Com isso, os estudos das células a combustível foram especialmente beneficiados.

Essa fase da tecnologia propiciou a primeira utilização prática destes conversores de energia, em naves espaciais, com uma célula a combustível construída a partir do modelo desenvolvido por Bacon. Essa célula foi responsável pela geração de toda a energia elétrica das naves do projeto Apollo. Essas foram as primeiras demonstrações dos princípios de funcionamento das células a combustível, que até 1930 ainda eram consideradas como mera curiosidade de laboratório.

Na década de 70, um impulso maior foi dado em decorrência do agravamento do problema energético mundial, em particular da crise do petróleo. Essa crise mobilizou a comunidade internacional, preocupada com os níveis alarmantes de poluição ambiental, que trouxeram à tona a necessidade de conversão eletroquímica da energia. Com isso, as células a combustível, que obtiveram excelente desempenho nas missões espaciais, mas cujo alto custo desestimulava qualquer tentativa de aplicação terrestre, começaram a ser estudadas e vistas como um sistema viável para aplicações em larga escala, por suas vantagens e características.

Para minimi zar o problema do custo desta tecnologia, têm sido levados em conta outros enfoques tecnológicos, bem como estudos de novos materiais. Nos E.U.A., órgãos da NASA, o Exército, a Força Aérea e a Marinha investiram muito em estudos e desenvolvimento de projetos para a defesa do país ao longo dos anos da chamada Guerra Fria. Nesses projetos foi priorizada a Engenharia e a Ciência de Materiais. Com o término da Guerra Fria, esses materiais, chamados de materiais avançados, foram direcionados para outras aplicações. Assim, alguns deles têm sido testados para uso em células a combustível.

Após o êxito dos programas espaciais norte-americanos, houve grande interesse em promover aplicações terrestres para as células a combustível, como sistemas autônomos de geração de energia elétrica.

Esquema básico de funcionamento

Conforme Reis (2003), turbinas, geradores a diesel, calor derivado de combustão ou calor gerado por reação nuclear podem gerar eletricidade e permitir que essa energia realize trabalho mecânico. Estes sistemas envolvem conversão de energia e seus coeficientes são limitados pelas leis da Termodinâmica. A célula a combustível envolve constantes de temperatura no processo eletroquímico, e sua eficiência não é limitada pelas leis que regem as máquinas térmicas.

Esquema básico da célula a combustível Alcalina (Filipini , 2002)

Uma célula combustível, mostrada esquematicamente na Figura 1 acima, consiste de dois eletrodos separados por um eletrólito. O combustível é fornecido para um eletrodo e o oxigênio para o outro. Um pequeno potencial elétrico, menor que 1V, é estabelecido e uma corrente elétrica poderá circular, enquanto o combustível e o ar forem fornecidos à estrutura. Os eletrodos catalisam a reação, mas não são consumidos como os eletrodos em uma bateria.

Esta conversão ocorre por meio de duas reações eletroquímicas parciais de transferência de carga em dois eletrodos separados por um eletrólito apropriado, ou seja, a oxidação de um combustível no ânodo e a redução de um oxidante no cátodo. Escolhendo-se, por exemplo, hidrogênio como combustível e oxigênio (do ar ambiente) como oxidante, tem-se na denominada célula ácida, a formação de água e produção de calor, além da liberação de elétrons para um circuito externo, que podem gerar trabalho elétrico. As reações nos eletrodos são:

  • a) Ânodo: H2? 2H+ + 2eb)
  • Cátodo: ½ O2 + 2H+ + 2e-? H2O
  • c) Reação Total: H2 + ½ O2? H2O

 

A reação de redução do oxigênio e de oxidação do hidrogênio ocorrem em potenciais diferentes, o que permite a realização de um trabalho útil pelos elétrons envolvidos, desde que a configuração seja adequada. Na prática, essa configuração depende de vários fatores, tais como os reagentes usados, a temperatura de operação e o eletrólito empregado.

O hidrogênio utilizado para a alimentação das células pode ser produzido no interior das mesmas, através da chamada reforma catalítica do combustível. A Figura 2 representa um diagrama de blocos de uma célula a combustível ácida utilizando o reformador

Célula a Combustível com Reformador (Filipini , 2002)

O combustível injetado para a reforma pode ser gás natural, metano, propano, nafta, etanol, metanol e outros. O gás resultante do processo reage com o oxigênio no interior da célula produzindo principalmente água, energia térmica e energia elétrica, sem a ocorrência de combustão.

Tecnologias em desenvolvimento

De acordo com Reis (2003), as tecnologias de células a combustível em desenvolvimento atualmente, têm sua classificação baseada no tipo de eletrólito utilizado na célula, pelas reações eletroquímicas e pelas suas temperaturas de operação. Segundo estes critérios, as cinco principais tecnologias de células a combustível em desenvolvimento são:

  • a) Células a ácido fosfórico (PAFC, “Phosforic Acid Fuel Cell”)
  • b) Células a polímero sólido (SPFC, “Solid Polymer Fuel Cell”)
  • c) Células alcalinas (AFC, “Alkaline Fuel Cell”)
  • d) Células a carbonato fundido (MCFC, “Molten Carbonate Fuel Cell”)
  • e) Células a óxido sólido (SOFC, “Solid Oxide Fuel Cell”)

A tabela evidencia os tipos de células a combustível existentes, seus respectivos eletrólitos, temperatura de operação e reagentes.

Células de combustível existentes

Célula a Ácido Fosfórico (PAFC)

De acordo com Reis (2003), as células a ácido fosfórico pertencem ao grupo de tecnologia mais antiga e mais difundida até o presente. Utilizando o ácido fosfórico concentrado (95 – 98%) como eletrólito e operando na faixa de 180 – 200ºC, essas células podem ser abastecidas com combustíveis relativamente limpos, derivados do processo de reforma de combustíveis fósseis como o gás natural, metano, nafta, etanol, entre outros.

Para proporcionar uma maior eficiência das reações eletroquímicas, este tipo de célula requer o emprego de catalisador, sendo o de platina mais utilizado, fato esse que dificulta sua comercialização pelo alto custo do material empregado.

O eletrólito utilizado, H3PO4, ácido fosfórico, oferece uma excelente estabilidade térmica, química e eletroquímica e baixa volatilidade para temperaturas superiores a 150ºC, além de ser um ácido “benigno”, podendo até ser encontrado na fórmula química da bebida Coca-Cola.

Sua construção relativamente simples, baseada em materiais produzidos a partir de processos amplamente dominados pela indústria atual faz com que a célula combustível do tipo ácido fosfórico seja a mais comercialmente viável desde 1994.

A principal aplicação a células a combustível PAFC dá-se nas centrais de co-geração com potência de 50 a 1000kW, para instalações “in situ”, ou seja, nas dependências do consumidor. Destina-se, basicamente, ao suprimento de eletricidade e calor para estabelecimentos comerciais, conjuntos residenciais, hospitais, edifícios e pequenas indústrias. O combustível mais utilizado é o gás natural reformado.

Célula a Polímero Sólido (SPFC)

De acordo com Reis (2003), as células de polímero sólido utilizam como eletrólito uma membrana condutora de prótons (Nafion®), e, com o seu uso, pode-se manter uma distância entre os eletrodos de aproximadamente 0,2 mm, diminuindose assim a resistência interna. A platina também é utilizada como agente catalisador das reações eletroquímicas que se processam na célula. A célula do tipo SPFC opera a uma temperatura da ordem de 80ºC.

Por oferecerem uma maior eficiência e atingirem elevadas densidades de potência, são as mais aplicadas na indústria automotiva em substituição aos motores de combustão interna. Atualmente esta tecnologia tem se mostrado bastante promissora, apesar, ainda, do alto custo das membranas nela empregadas.

Célula Alcalina (AFC)

De acordo com Reis (2003), as células alcalinas utilizam uma solução aquosa de hidróxido de potássio (30%) como eletrólito. As reações de oxidação em eletrólitos alcalinos são mais rápidas que em eletrólitos ácidos, viabilizando a utilização de metais menos nobres, portanto, mais baratos, como agentes catalisadores. O combustível, hidrogênio, e o reagente, oxigênio, devem possuir uma pureza elevada pelo fato dos eletrólitos alcalinos reagirem com gases ácidos, como o CO2, CO e SO2, e formarem produtos insolúveis comprometendo o funcionamento do sistema e aumentando sua complexidade. As células AFC não requerem materiais de alto custo na sua construção e têm-se mostrado viáveis para aplicações estratégicas, como espaçonaves, submarinos e em áreas remotas. Esta tecnologia equipou as naves do projeto Apollo e da Space Shuttle, ambos da NASA.

Célula a Carbonato Fundido (MCFC)

De acordo com Reis (2003), as células a carbonato fundido operam em temperaturas entre 600 e 750ºC, utilizam misturas de carbonato de sódio, lítio e potássio como eletrólito. Uma das principais características das células MCFC é que o dióxido de carbono (CO2) e o monóxido de carbono (CO) são reagentes combustíveis, tendo a mesma função do hidrogênio nos demais tipos de células a combustível. Também, pela alta temperatura de operação, esta tecnologia dispensa o uso de catalisadores com metais nobres e a reforma do combustível é feita no interior da célula.

As aplicações de células MCFC têm crescido em centrais de co-geração de médio e grande porte, principalmente em sistemas de geração que operam em ciclo combinado. Este crescimento está relacionado com a eficiência elevada da relação combustível / energia elétrica, que pode chegar à 55%, sem o aproveitamento do calor residual.

Célula a Óxido Sólido (SOFC)

De acordo com Reis (2003), nas células do tipo a óxido sólido são utilizados eletrólitos refratários, não corrosivos, à base de uma mistura de óxido de zircônio (ZrO2) e yttria (Y2O3), que apresentam, mesmo no estado sólido, considerável condutividade iônica em temperaturas em torno de 1000ºC. Sua maior característica reside no fato de que seus próprios eletrodos podem atuar como reformadores de outros combustíveis, gerando o hidrogênio necessário para sua alimentação.

Pela temperatura de operação elevada, as células do tipo óxido sólido são geralmente utilizadas em aplicações de co-geração em funcionamento contínuo ou para o acionamento de uma turbina a vapor utilizando o esquema de ciclo combinado.

Vantagens e Desvantagens de Células a Combustível Na tabela 2, encontra-se um resumo relativo às vantagens e desvantagens da geração de energia à base de células a combustível.

Vantagens e desvantagens das células a combustível

VANTAGENS E DESVANTAGENS DA CÉLULA A COMBUSTÍVEL

Perspectivas da tecnologia no mercado nacional

Sendo o Brasil um país que enfrenta grandes problemas no que diz respeito ao suprimento de energia elétrica, a tecnologia de células a combustível, com suas inúmeras vantagens, surge como uma bela opção tão logo seja competitiva no mercado.

Conforme Reis (2000), com a absoluta maioria, cerca de 90% e 60.000 MW, de sua capacidade instalada baseada em hidrogeração, se faz necessária uma complementação desta matriz, principalmente nos períodos secos do ano e quando da ocorrência de elevados picos de carga.

A participação cada vez mais ativa do gás natural na matriz energética brasileira é uma grande contribuição ao desenvolvimento das centrais de co-geração base de células a combustível, tornando-as promissoras na complementação da capacidade de produção de energia das usinas hidrelétricas.

As principais oportunidades de mercado para a introdução da tecnologia de células a combustível no cenário energético brasileiro, situam-se nas centrais de pequeno e médio porte para a produção e/ou auto-produção independente de energia, levando em consideração o elevado custo de energia nos períodos de ponta e o baixo índice de poluição ambiental e sonora. A eficiência das células a combustível aliada a sua capacidade de co-geração através do calor liberado também é um fator significativo.

FONTE: REIS (2003)

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